Que tal fazer sexo na garagem? Ou cozinhar no banheiro? Algum problema quanto a isso? Guardar a mangueira do jardim no guarda-roupa do filho... Alguma restrição? Em princípio, cada família decide como utilizar seu
espaço. Não se podem estabelecer regras — muito menos rígidas — quanto a isso. Mas sempre é possível que se conceba uma noção de ética relacional para pessoas que vivem em uma mesma casa, uma busca pela justa medida.
Para os padrões costumeiros da cultura brasileira, a sala é o lugar das coisas compartilhadas por todos os membros da família, além de ser o cenário da acolhida aos amigos. É o setor social da
casa. A cozinha é o setor alquímico e também pode ser compartilhada por todos. Ali se processam os alimentos; opera-se grande parte da limpeza diária; armazenam-se os suprimentos. O banheiro é o local da privacidade, templo da higiene, das necessidades fisiológicas. Se compartilhado, requer a suspensão de pudores. O quarto, por sua vez, é o lugar do recolhimento, do silêncio, do atendimento às necessidades mais íntimas. É a “sala exclusiva da pessoa”, podendo acolher eventuais convidados. O quarto do casal, particularmente, costuma ser o cenário da vida privativa dos parceiros, da sexualidade, da nudez compartilhada, do despojamento, do desapego quanto à maioria dos papéis e funções para além da fronteira da relação.
Pois bem: o que um casal pode ou deve levar para esse espaço? Só o sexo e o prazer? Dificuldades e conflitos? É sábio discutir problemas no leito conjugal? Ou isso pode tirar o sono e colocar em risco a vida sexual? Faz diferença se são problemas da própria relação, ou de outra ordem?
A cama e o quarto podem perfeitamente acolher as dificuldades, os conflitos e as discussões de um casal sem colocar em risco o prazer, o futuro ou o presente da relação. O que determina que essa prática seja construtiva ou lesiva não é o local físico em que essas questões recebem atenção, mas a atitude com que são abordadas. Um casal pode escolher a sala para discutir problemas e reservar o quarto para o exercício da sexualidade, mas estará instalando com isso uma rachadura na experiência conjugal e promovendo uma espécie de pasteurização da relação. Outro casal pode levar para a cama o sexo temperado com problemas, fazendo dessa suposta integração uma grande confusão.
O equilíbrio consiste em se empreender a abordagem amorosa do conflito. Problemas e dificuldades não deveriam antagonizar com a sexualidade, porque todas essas dimensões são partes integrantes do mesmo e único amor. Na mitologia grega, Harmonia é uma deusa e nasceu do amor entre Ares, deus da guerra, e Afrodite, deusa do amor e da beleza, indicando que não há antagonismo entre essas disposições, bastando que se articulem de modo fértil e produtivo.
Quando se evita levar dificuldades para a cama em nome de um suposto discernimento, o que se obtém é uma união sem alma. Para ser plenamente incluída e vivida, a alma de um casal, como a de uma pessoa, ou de uma família, requer o acolhimento a suas dores e dificuldades e a abertura para as dimensões sombrias da vida, não só para as iluminadas. O quarto, templo da intimidade, é um bom contexto para o processamento da experiência anímica. E, depois, o prazer de transar com alma fica intensificado.