É fantástica a transformação do bebê em apenas 24 meses. Daquele serzinho que demorava para mamar, só comia, dormia, fazia vários cocôs por dia e ficava onde você o colocasse, passando pelo som gostoso das primeiras gargalhadas e da descoberta dos próprios pés, ele caminha, no sentido literal da palavra, para se tornar uma criança que corre, brinca e tem suas próprias vontades. Ao localizar onde estão os dois anos de idade na linha do desenvolvimento, entendemos melhor por que essa fase criou uma reputação tão assustadora e ganhou o apelido de “terrible two”, a idade terrível. Mas será que é para tanto?
Para o psicólogo Bronwyn B. Charlton, cofundador do SeedlingsGroup, grupo de experts em desenvolvimento infantil de Nova York, o termo “terrível” não é apenas injusto como também perigoso, porque leva à incompreensão de comportamentos característicos dessa época. Assim, o que muitas vezes é visto como desobediência deliberada, é, na verdade, um meio de testar limites, se comunicar ou compreender outras perspectivas. No pior dos casos, quando essas atitudes negativas são reforçadas, tornam-se mais uma maneira de chamar a atenção dos pais.
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“A criança de dois anos não é, necessariamente, mais terrível que a de um ou de três”, diz a terapeuta infantil Regiane Glashan. “Ela é uma grande ‘cientista’ tentando desbravar o mundo e os limites que a cercam”, completa. O bebê meigo que você carregava no colo, agora dá escândalos no shopping quando é contrariado. E dá show na padaria, na rua, na vizinha. Chora, grita, faz birra. Os dois anos coincidem com a época em que a criança mais vai ouvir – e dizer – “não”. E a descoberta dessa palavra representa um marco significativo rumo à independência dos pequenos.
“Os bebês de dois anos querem autonomia, desejam controle e são extremamente curiosos, determinados e persistentes”, explica Bronwyn. “Porém, as habilidades para realizar tudo isso são fracas e eles ainda não lidam bem com emoções intensas”, diz. Mas a criança aproveita toda e qualquer oportunidade para se sentir poderosa. Ela quer a calça azul e você a roxa, você fatia a maçã e ela quer inteira. “Não há nada como uma luta pelo poder para fazer uma criança de dois anos se sentir forte”, diz Bronwyn. “Só que quando o enfrentamento fica mais sério, ela não sabe controlar seus impulsos, não consegue se expressar direito e não é capaz de sair da sala para se acalmar, por exemplo”. Então ela chuta, morde, chora, grita e faz birra.
Cada fase significa uma nova conquista para os filhos e um novo desafio para os pais. E, dependendo de como esse confronto se dá, todos os anos podem ser terríveis! Uma dica é tentar dizer menos ‘não’ e redirecionar a criança, porque o ‘não’ permite a transgressão. Em vez de dizer “não ponha o copo aí”, experimente falar “coloque ali”. “O ‘não’ tem que ter um peso, precisa ser levado até o fim”, ressalta a psicanalista Marcia Neder, autora do livro Déspotas Mirins: o Poder nas Novas Famílias. Outra questão importante é a imagem da ‘mãe santa’. “Cada vez que a mãe sente raiva dos filhos, morre de culpa como se fosse uma criminosa e muitas vezes sequer tem consciência de que está agindo de uma certa maneira só por causa disso”, diz Marcia. A mãe não é um ser beatificado de quem se pode exigir tudo. Paciência tem limite. E disciplinar dá trabalho, mas conviver com um pequeno tirano também. Para transformar o “terrible” (terrível) em “terrific”(espetacular), é preciso deixar claro, desde o início, que há um adulto sensato e uma criança nessa relação.
De fato, é fantástico ver como se desenvolve a criança de dois anos. Ela pula, arrasta coisas, encaixa um objeto no outro e é capaz de segurar algo com uma mão só. A fala está se organizando numa velocidade incrível. O vocabulário floresce. Ela recusa assistência e tenta se virar sozinha. Começa a perceber que suas ações e escolhas têm consequências. No entanto, sua capacidade de se colocar no lugar do outro ou de gerenciar uma frustração continua fraca. E delimita bem seu território e não gosta muito de emprestar o que é seu. Cabe aos pais mediar essas novas relações e ajudar na caminhada, que começa bem antes dos dois anos e não termina no aniversário de três!
Pai e mãe precisam estar conscientes de que são pai e mãe. Parece bobagem, mas alguns preferem ser amigos. E o medo de ouvir um “seu chato” faz com que acabem acatando mais vontades dos filhos do que deveriam. “Quem manda hoje são os pequenos e a vida do adulto é inteiramente organizada em torno deles. Os pais do século 21 estão mais interessados em serem amados e aprovados pelos filhos do que em serem respeitados e obedecidos”, diz Marcia. A birra, portanto, seria o resultado de uma cultura, e não de uma idade.
“Se os pais se posicionarem como adultos junto às crianças já introduzirão uma nova ordem a relação”, diz Marcia. E isso inclui assumir a responsabilidade por decisões que o filho ainda não tem condições cognitivas e emocionais para tomar. Aceitar com passividade a premissa de que “é assim mesmo”, é uma atitude pouco enriquecedora. “Os pais precisam ajudar seus filhos a lidar com a negativa e a tolerar o ‘não’ na hora certa”, diz Regiane Glashan. Isso é muito mais que disciplina e limites. Afinal, essas crianças se tornarão cidadãs numa sociedade onde a diversidade, as regras e os limites existem. E nem sempre espernear vai funcionar.
Cinco dicas de como agir na hora do chilique
Dê o exemplo“Você é o modelo de como seu filho deve lidar com os sentimentos de frustração, raiva, tristeza”, diz Bronwyn. Sua calma vai ajudá-lo a se acalmar também. Mostre à criança maneiras de se tranquilizar, como respirar fundo e contar até dez. Nomeie os sentimentos Reconheça o que seu filho está sentindo e enfatize. “Você está bravo porque não quer ir no carrinho. Tudo bem ficar bravo, mas não pode bater na mamãe. Bater machuca.”
Dê opções Deixe que ele escolha do que vai brincar ou o que vai vestir. Mas dê apenas duas opções. “Quanto mais rápido ele tiver a impressão de que toma as decisões, mais rápido passará por essa fase”, diz Regiane.
Não dê opção quando não houver opção. Algumas regras, como ir dormir ou ir à escola, não são negociáveis.“Não faça perguntas quando só existe uma resposta aceitável, mas guie seu filho de forma amável”, sugere Regiane.
Distraia Quando a criança fizer birra, tente distraí-la com um copo de água ou sua música favorita.
Redirecione Em vez de dizer 'não' à criança, tente identificar o que você quer que ela faça. E dê uma resposta positiva quando ela se comportar como você gostaria.
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